A segurança viária é um assunto de interesse comum a motoristas, pedestres e ciclistas. É um tema que, da mobilidade urbana ao transporte de cargas, impacta a todos e possui desafios à altura de sua relevância social. Mas, felizmente, algumas ações simples estão se mostrando efetivas em prol de um trânsito mais seguro, harmônico e responsável.
No Brasil, diferentes municípios estão executando seus próprios projetos inovadores. Algumas ações são baseadas em modelos internacionais, enquanto outras nasceram aqui, e todas atingiram resultados concretos.
De pequenas readequações de espaços a ações integradas com diversos públicos e grupos, elas mostram que medidas inteligentes e até de baixo custo podem servir de modelo para outras cidades e regiões, promovendo uma mudança cultural profunda. Na verdade, isso já está acontecendo.


Impacto positivo: iniciativas inspiradoras
Aqui, vamos apresentar alguns destes cases. Mais que reconhecer e compreender iniciativas de sucesso, o objetivo é inspirar uma construção coletiva e mostrar que é possível obter melhorias significativas na qualidade de vida local a partir do momento em que compreendemos sua realidade, desafios e recursos.
Faixa Azul em São Paulo
Na psicologia, o azul representa segurança. Talvez por isso, esta tenha sido a cor escolhida para as faixas preferenciais para o tráfego de motociclistas em São Paulo (SP), no que logo se tornaria um dos mais recentes cases de sucesso no tema segurança viária.


A Faixa Azul entrou em ação no início de 2022, com a avenida 23 de Maio escolhida para o projeto-piloto. Na época, a via recebia mais de 2.400 motociclistas por hora e 78% dos seus acidentes envolviam motos. Os dados são da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), uma das responsáveis pela realização.
Felizmente, esta realidade mudou rapidamente. Tanto que, em pouco tempo, a iniciativa foi levada para outras ruas e mostrou que trafegar na faixa era até 20 vezes mais seguro que fora dela – caso da Avenida Bandeirantes. Desta forma, o projeto, que começou em uma única via da cidade, hoje já se estende por mais de 210 quilômetros na capital paulista e inspira municípios até de outras regiões do país, como Canoas, no Rio Grande do Sul.


Tão relevante quanto seu impacto positivo para a segurança no trânsito, é a simplicidade do conceito. Na prática, a Faixa Azul consiste numa faixa preferencial para motocicletas, posicionada entre outras faixas veiculares. Para delimitar o espaço, é usada sinalização vertical e uma pintura com tinta especial refletiva no chão.
Segundo a Prefeitura de São Paulo, este é um ‘projeto pioneiro no Brasil, que compreende uma sinalização viária para aumentar a segurança e melhorar a mobilidade de motociclistas na cidade. O projeto é inspirado em experiências anteriores e internacionais, com o objetivo de reorganizar o espaço viário, proporcionando mais segurança aos motociclistas e harmonizando a convivência entre os modais’.


Crianças direcionando intervenções no Rio
Outra cidade que inovou em suas intervenções foi o Rio de Janeiro (RJ). Como parte do programa A Caminho da Escola, as iniciativas buscaram gerar mais segurança no entorno de 38 escolas do município, sobretudo para pedestres e ciclistas. Para compreender melhor a realidade local, contaram com a participação de um grupo específico que é e diretamente ligado ao tema: as crianças.


O escopo incluiu uma intervenção piloto, em Realengo, na região Oeste do município. Nela, estudantes e professores ajudaram a criar um mapa de risco ao falar sobre seus desafios para chegar e sair da escola. Foi identificado, por exemplo, que mais de 60% dos entrevistados sofriam com velocidades excessivas e desrespeito dos motoristas. Além disso, para desviar de carros e motos estacionados nas calçadas, eram obrigados a disputar espaço com veículos em circulação nas ruas.


Então, foi proposta uma reorganização do espaço para reduzir os conflitos viários e induzir um comportamento seguro para motoristas, ciclistas e pedestres. Entre as ações, destaque à redução da largura das faixas de rolamento, adotada a fim de estimular o respeito ao limite de velocidade de 30 km/h; o reforço da sinalização vertical e horizontal para ressaltar a prioridade dos ciclistas; e o alargamento de calçadas sobre alguns trechos de estacionamentos, com o intuíto de se adequar ao fluxo intenso de pedestres numa região com forte presença de escolas e pequenos comércios.


O projeto foi realizado pela Companhia de Engenharia de Tráfego do Rio de Janeiro (CET-Rio), com apoio do Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP Brasil) e da FIA Foundation. Para os responsáveis, o desenho da infraestrutura viária é um fator essencial para a educação da população. “Se o nosso sistema de transportes prioriza os usuários mais vulneráveis, como crianças, idosos e pessoas com deficiência e/ou mobilidade reduzida, todos os outros usuários estarão mais seguros”, disse Danielle Hoppe, Gerente de Mobilidade Ativa do ITDP.
Faixas de pedestres iluminadas em Brasília
A visibilidade reduzida à noite, especialmente sob condições adversas, pode acelerar a ocorrência de acidentes de trânsito – uma teoria defendida, inclusive, por estudos acadêmicos. Por isso, diferentes cidades já buscaram uma alternativa para gerar mais segurança aos pedestres, ciclistas e motoristas. A ideia é simples, mas acertiva: ampliar a visibilidade.


São ações como o Programa Luz na Faixa, que surgiu em 2022 com a missão de iluminar centenas de faixas de pedestres em regiões movimentadas de Brasília (DF). Até 2023, mais de 130 equipamentos haviam sido instalados. Na atividade, são usados postes com 5 metros de altura e luminárias em LED de 120W, que prometem um poder de iluminação quase 80% superior aos das lâmpadas de 72W geralmente adotadas na rede pública da região. A iniciativa é do Governo do Distrito Federal (GDF), por meio do Departamento de Trânsito (Detran).


Outro exemplo surgiu em Fortaleza (CE), onde foi realizado um projeto com iluminação inteligente. O sistema detecta a presença de pedestres e, ao perceber movimentação na faixa, aciona holofotes que iluminam o espaço gradualmente enquanto a pessoa faz sua travessia. A ação foi elaborada pela Autarquia Municipal de Trânsito e Cidadania (AMC), em parceria com a empresa norte-americana Intelligent Security Systems (ISS).
Novas velocidades em Fortaleza
Às vezes, uma iniciativa ainda mais simples pode alcançar resultados concretos. Que tal ‘apenas’ reduzir a velocidade em importantes vias da cidade? É o que aconteceu em Fortaleza, onde a máxima permitida foi ajustada de 60 km/h para 50 km/h.
O resultado? O número de acidentes fatais despencou 67%, enquanto o total de feridos caiu 20,9% e de atropelamentos, 19,7%. Os dados foram apresentados por estudo da Autarquia Municipal de Trânsito e Cidadania, analisando os primeiros anos de operação do novo formato.


Para Juliana Coelho, superintendente da AMC, o foco do trabalho era proteger, sobretudo, os usuários mais frágeis, como pedestres e ciclistas. “Ao reduzir a velocidade máxima de 60 para 50 km/h, estamos aumentando em dez vezes a chance de uma pessoa atropelada sobreviver“, disse a especialista em mobilidade urbana. “A velocidade é reconhecida como um dos principais fatores de risco de acidentes de trânsito, contribuindo tanto para ocorrência quanto para a gravidade. Adotamos essa prática, já comprovada internacionalmente, para continuarmos salvando vidas”, enfatizou.
Receita do sucesso: o que está por trás de projetos bem sucedidos?
Existem vários pontos em comum nos projetos citados acima. Uma breve análise deixa claro que eles não compartilham apenas resultados positivos, mas uma espécie de ‘fórmula’ que pode ser o ponto de partida para novas ações nestas ou em outras regiões.
Um dos ingredientes é o reconhecimento da realidade. Em todos os casos, os responsáveis não buscaram minimizar ou ignorar os desafios de seus cotidianos, mas aceitá-los e compreender a quais fatores internos, externos e variáveis estavam relacionados. Como num diagnóstico.
Para que ele seja preciso, surge um segundo passo: ouvir quem vive na prática este ambiente. Nesta etapa, entram em ação desde motoboys de São Paulo a crianças em idade escolar no Rio de Janeiro, que fornecem preciosos dados às equipes técnicas com base em suas experiências diárias. Como adicional, eles se sentem relevantes, ouvidos e parte do ecossistema do qual fazem parte. Depois, são apresentadas as ideias que logo norteaiam os planos de ações, considerando os recursos disponíveis e potenciais locais.


Com a fundamentação pronta, surgem as ações práticas, as intervenções urbanas, a faixa iluminada, a via preferencial, o espaço adicional para pedestres, um convívio mais seguro e harmônico. Mais qualidade de vida. Bingo.
Além dos avanços imediatos aferidos em pesquisas e estudos, tais ações ainda projetam ganhos de médio e longo prazo. E talvez estes sejam os mais importantes. Aos poucos, elas criam uma cultura baseada em novos comportamentos que priorizam o respeito ao espaço e à velocidade do outro, num ciclo contínuo, profundo e benéfico. Elas inspiram o presente e impactam o futuro. E você, o que pode fazer pelo trânsito da sua cidade hoje?