Independente de quão o seu dia esteja corrido, faça uma pausa de um minuto. Respire fundo, sinta o ar expandindo os pulmões e pense no que lhe faz feliz. Sim, isso inclui as grandes conquistas profissionais, os louros acadêmicos, as medalhas esportivas, mas também aquela piada hilária que um colega contou no corredor, os abraços à beira-mar no réveillon e a risada do filho enquanto faz bagunça ao correr pelo jardim. Agora, responda: você trocaria tudo isso por uma xícara de café?
Pode parecer um péssimo negócio, mas esta é a escolha que inúmeros motoristas fazem diariamente nas ruas e estradas do país. Eu sei, você está com pressa, todos estamos, mas aqui você irá conhecer algo importante: a péssima relação custo benefício de andar mais rápido para tentar chegar antes ao destino.
A ilusão de ‘ganhar tempo’
Vamos começar com um cálculo simples – e um exemplo. Aumentar sua velocidade média de 60 km/h para 80 km/h num deslocamento de 10 km, fará com que você chegue apenas 2 minutos e meio antes em casa. Tempo suficiente para, talvez, aquecer a água do café. E só.


Entretanto, este comportamento aumenta exponencialmente os riscos aos quais o motorista se expõe, levando na carona todos ao seu redor. Segundo o diretor científico da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego, Flavio Adura, “velocidades de apenas 5 km/h acima da média de 60 km/h em áreas urbanas e 10 km/h acima da média em áreas rurais são suficientes para dobrar o risco de uma colisão com vítimas fatais”.
Naturalmente, isto não é um alerta apenas para motociclistas, pedestres e ciclistas, mas para todos os agentes do trânsito. “Para os ocupantes de um carro, em uma colisão a 80 km/ha probabilidade de morte é 20 vezes maior do que aquela de um impacto a 30 km/h. Portanto, é vital respeitarmos os limites de velocidade”, ressalta o presidente da Abramet, Antonio Meira Júnior.
A vida no trânsito
Ao se aprofundar no tema, aquele momento em que usamos o acelerador com mais força passa a não pesar apenas no sistema de transmissão do motor para as rodas, mas também na consciência. Afinal, o Brasil mantém uma preocupante cadeira no ranking dos 5 países com mais acidentes fatais do planeta, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS). São mais de 32 mil registros anuais.


Tais dados são confirmados por órgãos locais. Segundo registros da Polícia Rodoviária Federalem 2024 ocorreram 73.121 acidentes, totalizando mais de 84 mil feridos e 6 mil óbitos. Esta estatística fica ainda mais alarmante ao observarmos seu recorte: ela considera apenas sinistros em rodovias federais.
Agora, é necessário retornar ao assunto central deste artigo. Isso porque o excesso de velocidade é a infração de trânsito mais comum do país, com mais de 5 milhões de ocorrências apenas nos dez primeiros meses de 2024. O dado, aferido pela PRFapresenta um inquietante aumento de 137,5% em relação ao mesmo período do calendário anterior.


Motociclistas entre as principais vítimas
Os grupos que mais sofrem com a violência do trânsito são, naturalmente, os mais frágeis. Com seus corpos expostos aos perigos, motociclistas, ciclistas e pedestres figuram em 7 a cada 10 vítimas graves de acidentes em ruas, avenidas e rodovias, conforme a Abramet.


Em 2023, por exemplo, houve 39.125 internações hospitalares de pedestres, acompanhadas de 15.573 de ciclistas – num aumento de 68% em dez anos. Acima deles estão apenas os acontecimentos com motocicletas, que totalizaram mais de 141 mil ocorrências no mesmo período. Os dados são do Ministério da Saúde. Segundo eles, em dez anos foram mais de 2,2 milhões de atendimentos no SUS a pessoas envolvidas em acidentes graves de trânsito.
Infelizmente, o número de fatalidades é igualmente desolador. Conforme registros do Ministério, em 2022 mais de 5.300 pedestres perderam a vida em nossas cidades, assim como mais 1.300 ciclistas. Entre os motociclistas, foram mais de 12 mil óbitos.


Aqui, quero tomar a liberdade de fazer um recorte sobre o grupo do qual todos fazemos parte, ainda que em curtos momentos do dia: os pedestres. Sua segurança no trânsito está diretamente ligada à velocidade dos veículos ao redor. Uma relação ilustrada pela Curva de Ashton, desenvolvida nos anos 1990 e que logo se tornara um dos instrumentos mais difundidos no campo da segurança viária.


Ela deixa claro o modo como as consequências de um acidente com pedestres não cresce proporcionalmente, mas exponencialmente em relação à velocidade. A possibilidade de um atropelamento a 50 km/h resultar num acidente fatal é de aproximadamente 40%, ao passo que atinge os 100% antes mesmo de dobrar a velocidade, a apenas 90 km/h.
Hora de suavizar o acelerador
Portanto, analisar o tema segurança no trânsito é expor uma realidade impossível de ser ignorada, mas que também aponta direções para um futuro melhor. Afinal, se por um lado os exorbitantes registros de excesso de velocidade evidenciam o peso do comportamento cultural sobre este fenômeno, o mesmo fator pode ser direcionado para outro lado de diversas maneiras.
Iniciativas como o Maio Amarelo, criado há mais de 10 anos pelo Observatório Nacional de Segurança Viária (ONSV); o Rodovida, da Polícia Rodoviária Federal; e diversas ações realizadas pela Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran) vêm colhendo importantes resultados em prol da segurança viária, bem como intervenções urbanas e outros aperfeiçoamentos no ecossistema do trânsito.
Além disso, cabe a cada um de nós, integrantes do trânsito enquanto pedestres, ciclistas, motociclistas e motoristas, optar pelo caminho da precaução. É tempo de desacelerar. Por isso, prefiro tomar meu café com calma, ainda que alguns minutos mais tarde. E você, vai arriscar tudo por tão pouco?